A Empregabilidade no Feminino no Turismo
Por Patrícia Correia – Diretora de Hotel
O Turismo é um dos motores da economia portuguesa e o ano de 2020 adivinhava-se extraordinário, quer a nível de resultados, quer de número de visitantes. A ameaça que veio da China apanhou-nos a todos desprevenidos, mas o certo é que não perdemos quaisquer valências e todas as razões que nos levam a ter um destino que vence prémios mundialmente, ainda são válidas à data de hoje e assim continuarão por muito tempo. Valências físicas, como os 850km de área costeira, os campos de golf, as ondas da Nazaré, a cultura da capital e o artesanato dos interiores, mostram-nos que o nosso destino é realmente bonito e atrativo, mas também valências comportamentais.
O “saber receber”, o sorriso solto e a empatia dos nossos profissionais são bons exemplos de competências quase inatas do povo português. O turismo está-nos no sangue desde há muito e a nossa simpatia natural também, sendo normal a este sector atrair muita mão de-obra. Talvez pareça estranho trazer este exemplo como mais-valia do nosso turismo, mas para quem acha que esta mais-valia não é assim tão especial, trago a memória de uma temporada passada na Escócia, como diretora geral de dois hotéis e de muito sentir falta desta aptidão natural nos colaboradores. Apesar de serem simpáticos, a prestação ficava sempre aquém do esperado, deixando de lado a necessidade de saber acolher o visitante. Em terras lusas, homens, ou mulheres, a nossa prestação é de ajuda, é de naturalidade, de sorrisos. Todos nós portugueses, emanamos um “Seja Bem-vindo” até com o olhar e vamos mais além quando se trata de agradar aos nossos hóspedes.
Em setembro de 2020, o IPDT – Instituto Português para o Desenvolvimento do Turismo estudou o tema do Emprego no Turismo e publicou no seu blog que “Os dados de 2019 mostravam que o turismo era responsável – direta e indiretamente – por 2 em cada 10 empregos em Portugal. Além disso, 1 em cada 5 euros gerados provinham desta atividade, o que evidencia a importância do setor na dinamização da economia nacional (fonte: World Travel & Tourism Council). Apesar de a COVID- 19 estar a afetar os números do emprego em turismo, é importante analisar a evolução que vinha a acontecer até 2019 para compreender as principais tendências neste domínio e determinar a sua importância para a sustentabilidade económica e social em Portugal.
Em 2019, o turismo – sobretudo nas atividades ligadas ao Alojamento e à Restauração – empregou diretamente 320 mil indivíduos e seis em cada dez trabalhadores do turismo são mulheres.
O turismo tem um papel ativo no contributo para a igualdade do género, sendo uma ferramenta importante para o empoderamento das mulheres. Os indicadores mostram que 58% dos trabalhadores do turismo são do género feminino, mais 9% do que a média nacional no total da economia (49%).”
Sem dúvida que este é um tema de que muito se tem falado em Turismo e Hotelaria, especialmente nas camadas mais altas das hierarquias, onde estes números tendem a ser mais raros.
Sou diretora de hotel há mais de 20 anos e devo confessar que no início da minha carreira, contavam-se pelos dedos das mãos, as mulheres que tinham este cargo. Lembro-me de duas, três, não mais do que isso eram para mim autênticas heroínas, vistas como mulheres muto fortes e fora da caixa. Penso que talvez fosse por questões do foro familiar, que ditavam que a vida de mães não se coadunava com a vida de uma hoteleira, ecoavam nos bancos da Universidade e por isso, havia uma pouca procura do público feminino. Os horários longos, algumas viagens, eventos e reuniões e jantares até tarde, não eram bem vistos no seio familiar de muitas colegas e por isso esta tão grande desigualdade.
Na altura, além de sermos poucas, eu seria de longe a mais nova entre este punhado de mulheres hoteleiras, e por isso, sentia-me muito diferente dos meus colegas mais velhos. Mas esses tempos já lá vão e hoje, sinto que o Turismo e Hotelaria já são feitos de mulheres e de homens de igual para igual. De profissionais do sector, independentemente do género. Nos últimos dez anos, tenho trabalhado para administrações que nos veem como iguais e penso que esse é o futuro a traçar. Aliás já nem é o futuro, é o nosso presente.
Sim, é certo que em algumas áreas ainda se nota alguma desigualdade ou bastante numérica. Mas nos dias que correm é com muito gosto que vejo o número de mulheres hoteleiras aumentar, e sinto que como mulher, me são dadas as mesmas oportunidades que aos colegas do sexo masculino. Sinto que a Hotelaria evoluiu muito nos últimos anos e este foi apenas um dos aspetos da mudança. Bem positivo, devo dizê-lo. Felizmente, longe vai o tempo em que não se promoviam mulheres em áreas como a restauração ou receção, por medo de baixas
de gravidez.
A análise muito pessoal que faço é que os novos empregadores deste ramo analisam currículos e competências, independente do género do candidato. Facto é que também eu já senti alguma discriminação, mas devo dizer que, o que senti se baseou na idade. Voltando de novo à veia de storytelling, nos primeiros dias como diretora geral de um novo projeto, ao mexer em relatórios que me foram dados pela administração, descobri um dia que o diretor de hotel que fui substituir, ganhava 7 vezes e meia mais do eu, e sim era do sexo oposto. Sete vezes e meia mais. Obviamente, com números na mão, não podia deixar de questionar tão grande disparidade, mas a resposta deixou-me atónita: “És muito nova, tens muito a provar.” Lembro-me de que na altura fiquei chocada e disse: “No final do ano, o meu salário será o dobro do que aufiro hoje “. E sim, ganhei esta aposta porque mostrei realmente o que valia. Dois anos depois, já o meu salário tinha aumentado consideravelmente, mas senti que por ser “nova” tive de provar de uma maneira muito mais marcada que o colega anterior. Esta foi das poucas vezes que em toda a minha carreira senti algum tipo de discriminação, mas apenas baseada na idade.
Mas deixando o storytelling para trás, que a hotelaria é feita de muitas histórias, baseando-me num inquérito feito pelos alunos da Escola de Turismo e Hotelaria de Portimão a 36 unidades hoteleiras regionais, apenas para podermos analisar uma amostra do tecido local e retirar dai pequenas conclusões.
Apesar de uma amostra pequena, a maioria das conclusões não surpreende. Nos cargos de Direção, o género masculino lidera com 58%, mas esta diferença já não é assim tão grande como em anos passados. Os serviços administrativos são liderados por mulheres, com cerca de 64% e na receção, a tendência inverte-se com o sexo masculino a assumir 56% dos cargos da secção.
Uma grande desigualdade é mostrada nas áreas tradicionalmente vistas como femininas, o housekeeping, com uns esmagadores 91,5%, o spa com 100% nesta amostra e a animação, com 80%. É com grande satisfação que percebo que hoje em dia, já se encontram alguns rapazes nas limpezas, e no spa e a sua capacidade é tão boa como de uma colaboradora do sexo feminino.
Do outro lado do espetro, ficam áreas tradicionalmente vistas como masculinas, como a manutenção que acusa uns sólidos 100%, e a cozinha, pastelaria e copa com valores acima dos 65%. Por esta pequena amostra percebe-se que há áreas que tradicionalmente são procuradas por candidatos de um outro género, mas tirando o housekeeping, a manutenção ou o Spa, facto é que as diferenças estão cada vez mais a esbater-se.
No inquérito questionava-se também se se considerava que as colaboradoras do sexo feminino se destacavam por competências especificas, sendo que as mais votadas foram “Inteligência Emocional” e “Atendimento ao Cliente”. Relembro um exemplo de quando trabalhava para uma cadeia de hotéis multinacional, que à data tinha em 57 hotéis em 4 países diferentes e cerca de 40 unidades eram geridos por diretoras de hotel do sexo feminino, e precisamente pela questão da inteligência emocional. Esta era a soft skill que era mais procurada pela administração da cadeia e coincidentemente, foi encontrada na sua grande maioria em senhoras.
No que concerne a melhoria de competências por parte do género feminino, as mais votadas foram “Ter bons conhecimentos técnicos”, a “Liderança” e o “Saber trabalhar em equipa”. A parte da técnica, a manutenção sempre foi um “calcanhar de Aquiles” para a maioria das colegas do sexo feminino e isso percebe-se bem até nesta pequena amostra. Talvez por uma questão cultural, ou é simplesmente algo que não apela tanto ao publico feminino.
Relembro que estes números foram retirados de uma pequena amostra local, no entanto, penso que espelham a realidade nas unidades hoteleiras no momento.
Se há muito a melhorar? Sim, concordo. Mas no fundo, aquilo que espero, é que um dia não tenhamos que debater o tema da diferença entre géneros. Que a igualdade de género no Turismo e Hotelaria seja uma verdade inabalável, em que os cargos sejam escolhidos com base nas competências de cada candidato e não no género com que nasceu.